terça-feira, 29 de maio de 2007

Carta dos Docentes do Instituto de Economia - IE/UNICAMP

À Comunidade Acadêmica e Autoridades,

Deliberação da reunião de Professores do I.E. da UNICAMP realizada em 24/5/2007

Os docentes do Instituto de Economia conscientes da gravidade do momento atual para a vida acadêmica e universitária analisaram as diversas manifestações sobre o movimento grevista nas três Universidades públicas paulistas e suas causas, assim como as informações oficiais sobre essa questão, sejam pronunciamentos de autoridades governamentais, sejam os conhecidos Decretos do Governo Estadual, baixados em Janeiro do corrente ano.

Entendemos que a razão principal desta crise decorre da iniciativa do Governo Estadual de realizar uma mudança substantiva no ambiente institucional sob o qual nossas universidades se encontravam desde fins da década de 1980. Mais precisamente, a partir da conquista da autonomia formal e efetiva de nossas instituições universitárias.

Inicialmente, é necessário explicitar que sob o estatuto da autonomia, que também rege a principal instituição de apoio à pesquisa do Estado, a FAPESP, o sistema universitário paulista vem mantendo uma produção acadêmica de padrão internacional, constituindo-se em caso singular na América Latina. Ademais, este sistema tem contribuído sistematicamente para o avanço tecnológico do país por meio de um número expressivo de registro de patentes e o aperfeiçoamento das políticas públicas, bem como prestando diretamente serviços à população.
Uma primeira manifestação de tal autonomia se refere à questão de nosso financiamento. Cabe lembrar que este não tem origem na adoção de dispositivos formais constitucionais ou de outra ordem legal, mas no resultado da ação organizada dos atores que dela participaram, e que contou, à época, com o apoio de diversas instituições da sociedade. Sensível ao reconhecimento da importância das universidades na sociedade paulista e brasileira, o Governo Estadual tem renovado anualmente os Decretos relativos à manutenção de determinado percentual da arrecadação do ICMS destinado às três universidades estaduais.

As outras partes de nossa autonomia – quiçá as mais importantes -, a administrativa, a do ensino e a da pesquisa, instauradas desde nossa constituição tem sido mantidas, salvo nos tormentosos momentos durante a ditadura militar, traduzindo-se numa crescente inserção das universidades na sociedade paulista, bem como de apoio as atividades produtivas e de inserção no desenvolvimento científico e tecnológico do país.

Os diversos Decretos editados pelo Governo Estadual, em janeiro último, se constituem em ameaça à autonomia e ao papel exercido pelas universidades na sociedade paulista. A ameaça existe de jure, dado que os Decretos incluem explicitamente, como seu objeto, além dos órgãos da Administração Direta e Indireta, as Autarquias de Regime Especial, nas quais nos enquadramos. Assim se dá, por exemplo, com os Decretos 51.471, 51.472 e 51.473, que tratam da reavaliação de contratos, redução de gastos e proibição de contratações, impondo que elas sejam submetidas à aprovação da administração centralizada do Governo do Estado. No campo da gestão das instituições, o Decreto 51.460 rompe a autonomia ao submeter o CRUESP a esta mesma administração, destinando a sua presidência a um secretário de Estado.

Sem minimizar os efeitos possíveis das menções acima citadas, o pior está nos Decretos 51.460 e 51.461, que retiram da antiga Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico (atual Secretaria de Desenvolvimento) a USP, a UNICAMP e a UNESP, transferindo-as para a nova Secretaria de Ensino Superior. A estranheza nesses atos, e porque não dizer também o temor, é que permanecem na Secretaria de Desenvolvimento, à parte, a FAPESP e as FATECs.

Ora, cabe perguntar porque estas instituições de ensino superior e a de apoio à Pesquisa foram separadas em distintas secretarias, uma vez que as FATECs são também Instituições de Ensino Superior, tal como as três universidades. E a FAPESP, embora não o seja, desde quando foi criada, passou a constituir o pilar fundamental de apoio financeiro para a pesquisa e a pós-graduação no Estado de São Paulo – concentrando a maior parte de seus recursos, exatamente nas três universidades. Estas, entre outros indicadores de alta produção, são responsáveis por mais de 40% das publicações científicas do Estado, por cerca de 30% da formação de Mestres e de 50% da de Doutores do Brasil. Não foi por outra razão que em seus Estatutos, manteve-se, até recentemente, majoritária presença em seu Conselho e Direção, de categorizados docentes das três universidades. Causa ainda estranheza que a Fundação Memorial da América Latina – que não é uma Instituição de Ensino Superior -, tenha sido igualmente transferida junto com as três universidades e mais duas outras Faculdades públicas para a Secretária de Ensino Superior.

É verdade que foram feitas comunicações verbais e escritas prometendo manter nossa autonomia. Acreditamos, sinceramente, que essa intenção é verdadeira. Mas essas comunicações, diante da permanência desses dispositivos legais ameaçadores, está sendo inócua perante a maior parte do corpo docente e discente, que pergunta, intranqüila: mas então, porque são mantidos?

Deve-se ainda resgatar o dispositivo encontrado no Artigo 2º do Decreto 51.461 sobre a função da nova Secretaria de Ensino Superior de “ampliação das atividades de pesquisa, principalmente as operacionais, objetivando os problemas da realidade nacional”. Um texto legal assim escrito e a separação institucional das três universidades, e de seu principal órgão financiador de pesquisas científicas, a FAPESP, conduz inevitavelmente à falsa idéia de que o desenvolvimento depende apenas da pesquisa prática e material, prescindindo da reflexão básica e científica.

Tendo em vista o exposto, apelamos à Comunidade Acadêmica e às suas Autoridades para que façam urgentes gestões junto ao Governo Estadual, no sentido de:
1. Revogar ou Emendar, no que for necessário, os decretos que efetivamente mantenham a ameaça da quebra da autonomia;
2. Re-agrupar, em uma só secretaria de Estado, a FAPESP, USP, UNICAMP, UNESP, FATECs e outras instituições pertinentes.
3. Fomentar o debate sobre o projeto de novo escopo institucional para as entidades de ensino superior e pesquisa do Estado de São Paulo.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home